A transação tributária é um avanço institucional relevante e tende a ocupar papel crescente na política fiscal contemporânea. No entanto, o instituto deve ser aplicado com rigor técnico — não como resposta imediata à inadimplência, mas como parte de um modelo integrado de gestão tributária, financeira e jurídica.
Desde a edição da Lei nº 13.988/2020 e a subsequente consolidação de modelos normativos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a transação tributária se consolidou como um dos mais relevantes instrumentos de composição entre Fisco e contribuintes no âmbito federal. A expansão do instituto — hoje disciplinado por portarias como a PGFN nº 6.757/2022 e normativos derivados — alterou de forma significativa a relação das empresas com o passivo tributário.
Segundo dados oficiais da PGFN divulgados em relatórios anuais, a transação já viabilizou a regularização de bilhões de reais em dívidas e representa um dos principais vetores de arrecadação qualificada da União. Em paralelo, estimativas do CNJ indicam que a execução fiscal representa aproximadamente 40% do acervo judicial brasileiro, o que evidencia a dimensão do problema estrutural que o instituto busca mitigar.
Apesar desse contexto favorável, a adoção da transação exige análise jurídico-econômica profunda. O instrumento pode se revelar extremamente eficiente para empresas em determinados cenários — mas também pode se transformar em uma armadilha financeira, sobretudo quando decisões são tomadas com base exclusivamente no desconto ofertado, sem avaliação dos efeitos de longo prazo sobre fluxo de caixa, litígios e governança.
O presente artigo examina quatro hipóteses em que a transação é recomendada e quatro situações em que sua adesão pode gerar riscos relevantes, propondo parâmetros objetivos para decisões estratégicas por parte de CFOs, conselhos de administração e departamentos jurídicos.
1. Quando a transação é economicamente racional
1.1 Passivos líquidos e incontroversos
Em situações nas quais o passivo decorre de inadimplência, equívocos operacionais ou autuações cuja probabilidade de manutenção é elevada, a transação funciona como instrumento de “contenção de danos”. A manutenção do litígio, nesses casos, costuma resultar no aumento do encargo legal, intensificação do risco de constrição patrimonial e deterioração das condições de crédito.
Portarias da PGFN indicam que os modelos de negociação são calibrados justamente para incentivar a solução de passivos cuja perspectiva de êxito judicial é limitada. Para empresas com alto volume de dívida consolidada e baixa litigiosidade técnica, a transação tende a ser a solução mais eficiente.
1.2 Empresas que demandam previsibilidade para fins financeiros e societários
No contexto de operações de M&A, processos de reestruturação societária, rodadas de captação ou simples manutenção de linhas de crédito, a existência de dívida tributária inscrita em dívida ativa representa fator de risco material. Bancos e investidores utilizam métricas de compliance fiscal e de litígios como elementos centrais na classificação de risco.
Ao transformar um passivo incerto em parcelas regulares e previsíveis, a transação melhora indicadores financeiros, facilita a obtenção de certidões (CND/CPEND) e reduz o desconto aplicado no valuation em processos de due diligence.
1.3 Compatibilidade entre capacidade de pagamento e condições da transação
A legislação de transação adota mecanismos objetivos de mensuração da chamada “capacidade de pagamento”, considerando receita, lucratividade, patrimônio, setor econômico e histórico fiscal. A experiência prática demonstra que acordos são sustentáveis quando o valor da parcela não excede a capacidade real do fluxo de caixa livre da empresa, sobretudo em cenários de contração econômica.
Quando há alinhamento entre capacidade financeira e condições oferecidas — prazos mais longos, entrada reduzida, descontos proporcionais — a transação cumpre sua função de instrumento de reorganização do passivo.
1.4 Mitigação de risco de constrição patrimonial
Dada a dimensão das execuções fiscais no Brasil, a adesão à transação é especialmente recomendável quando a empresa se aproxima de fases de constrição, como bloqueio de contas, penhora de faturamento ou inclusão em cadastros restritivos.
Nesses casos, a transação opera como mecanismo de prevenção de crises, reduzindo a volatilidade em caixa e permitindo que a empresa volte a planejar estrategicamente.
2. Quando a transação representa risco ou desvantagem
2.1 Passivo com tese relevante e potencial de êxito
Para débitos discutidos judicial ou administrativamente e amparados por precedentes sólidos — especialmente em temas discutidos em repercussão geral ou recursos repetitivos — a transação pode significar a renúncia indevida a direitos.
A jurisprudência recente do STF e do STJ demonstra que diversas autuações vêm sendo revistas, especialmente em temas de PIS/Cofins, contribuições previdenciárias e ICMS. Em tais hipóteses, a adesão prematura pode impor custo financeiro desnecessário e comprometer estratégias mais vantajosas.
2.2 Parcela incompatível com a realidade financeira
Estudos econômico-financeiros — inclusive os divulgados pelo Sebrae e por instituições bancárias — evidenciam que empresas que comprometem parcela relevante do fluxo de caixa com dívidas reestruturadas apresentam alta probabilidade de inadimplência em até 24 meses.
No âmbito da transação, o rompimento do acordo implica:
- restabelecimento integral da dívida original;
- perda dos descontos concedidos;
- imediata retomada da cobrança judicial;
- risco de agravamento da situação financeira da empresa.
A adesão, portanto, só deve ocorrer após simulação de cenários realistas, incluindo projeções de queda de receita.
2.3 Decisão baseada apenas em “desconto”
A literatura especializada e a própria PGFN ressaltam que o desconto isolado não é critério suficiente para avaliar a viabilidade da transação. Modalidades com abatimentos expressivos podem impor prazos curtos, restrições severas ou exigências de renúncia de ação judicial que alteram substancialmente a posição jurídica do contribuinte.
A análise deve ser multidisciplinar: financeira, jurídica, contábil e estratégica.
2.4 Transação como resposta a crise estrutural
Empresas em crise operacional — com queda estrutural de demanda, alto turnover, desorganização contábil ou margens persistentemente negativas — tendem a utilizar a transação como recurso emergencial. Contudo, o instrumento não substitui planejamento financeiro, revisão de custos, reorganização societária ou compliance fiscal.
Quando o problema é estrutural, a transação tende a postergar, e não resolver, a crise.
3. Um roteiro técnico para a tomada de decisão
A partir da análise dos casos acima, propõe-se um roteiro decisório aplicável a CFOs, diretores, conselhos e departamentos jurídicos:
- Diagnóstico jurídico: avaliar tese, probabilidade de êxito e precedentes.
- Diagnóstico financeiro: mensurar fluxo de caixa livre e capacidade de pagamento real.
- Simulações projetivas: cenários otimista, neutro e adverso.
- Avaliação estratégica: impactos sobre crédito, CND, M&A e risco reputacional.
- Modelagem técnica da adesão: verificar modalidade, prazo, exigências e renúncias.
O uso disciplinado desse roteiro reduz substancialmente a chance de adesão inadequada e melhora a qualidade das decisões em governança tributária.
A transação tributária é um avanço institucional relevante e tende a ocupar papel crescente na política fiscal contemporânea. No entanto, o instituto deve ser aplicado com rigor técnico — não como resposta imediata à inadimplência, mas como parte de um modelo integrado de gestão tributária, financeira e jurídica.
Empresas que adotam uma abordagem estratégica, fundamentada em dados, jurisprudência e capacidade financeira real, ampliam significativamente suas chances de reorganização bem-sucedida.
Por outro lado, decisões precipitadas podem comprometer caixa, inviabilizar discussões promissoras e agravar o contencioso.
Por isso, a adesão à transação deve ser precedida de análise multidisciplinar, orientada a critérios objetivos e incompatível com soluções simplistas.
Trata-se, em última instância, de uma decisão de natureza econômica e jurídica — que exige maturidade institucional, governança e visão de longo prazo.
